Campinas perdeu um ícone. José Trevisan deixou-nos no dia 19 de agosto. Nascido em Itápolis, SP, em 1º de setembro de 1929, formou-se na primeira turma da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Campinas, obra de Monsenhor Emílio José Salim. Zé Trevisan foi o primeiro presidente do Centro Acadêmico XVI de Abril, em 1950, e segundo, posto que reeleito.
Conheci Zé Trevisan, quando ingressei na UCC, hoje Puccamp, em 1964. Na época, ele era secretário da Faculdade de Direito, dirigida por Carlos Foot Guimarães. Chefiava, com rigor, o gordo Acácio Alípio, um Sancho Pança, e o magro Gilson, um Dom Quixote, inesquecíveis bedéis. Tomou parte ativa na colação de grau da minha turma, em 1968. Eu era, na época, segundo tenente de infantaria, convocado, do 1º BCCL, hoje 28º BIL. Tenho foto com ele, sério, de bigodão.
Formado em Direito, passei a acompanhar, de longe, suas atividades. Alto executivo da Acic, foi professor de Ética, a partir de 1974, da Faculdade de Direito da Pucc, e membro do Rotary Clube, de Itápolis. Depois, vice-diretor da Faculdade de Direito, segundo no comando do amigo, e colega, de colégio e faculdade, Álvaro César Iglesias. Por fim, tornou-se secretário-geral da Puccamp. Participou da instalação da Faculdade de Medicina.
Estreitamos nossa amizade nos últimos cinco anos, participando do Café Filosófico da jornalista Vivi Pavarini, aos sábados, de manhã, numa estalagem, nas imediações do Centro de Convivência. Numa dessas reuniões, contou-me saborosas estórias vividas, por ele, com o professor doutor Moacyr Lobo da Costa, renomado processualista civil.
Relatou, numa manhã luminosa de sábado, saboreando um cafezinho que, em 1954, era aluno da Faculdade de Direito onde o professor Lobo da Costa lecionava Direito Processual Civil, adotando, durante três anos de bacharelado, o livro Curso de Direito Processual Civil, de Gabriel de Rezende Filho, o Rezendinho, de três volumes.
Lobo da Costa era rigoroso. Procurava conhecer todos os alunos, pelo nome ou pelas feições. Élton César, que depois viria a consagrar-se na advocacia e na política de Campinas, amigo e colega de Trevisan, que não comparecia às aulas, envolvido nas atividades do Centro Acadêmico, aconselhou-o a frequentar as preleções. Caso contrário, seria reprovado na disciplina.
Trevisan, então, começou a comparecer às aulas do professor, uma das maiores autoridades do Processo Civil no Brasil, à época. Numa das aulas, para ser notado, perguntou ao colega Elton: “Qual é o nome do professor?”. Elton, maliciosamente, respondeu:” Chiovenda!!!”. Chiovenda era o mais famoso processualista civil italiano, falecido em 1937...
Trevisan levantou a mão, interrompeu Lobo da Costa, dizendo: Professor Chiovenda, tenho uma dúvida!” O luminar, severo, advertiu: “Você pode estudar os três volumes do Rezendinho que você não vai passar comigo no oral !!”
Naquela época, além das provas escritas, havia, no final do ano, exames orais de todas as disciplinas. No dia do oral, Trevisan ouviu de Lobo da Costa a pergunta: “ Diga-me o nome de todos os autores citados pelo Rezendinho na bibliografia de sua obra!”
Trevisan retrucou: “Mas, professor, isso não faz parte da matéria!” Lobo da Costa replicou: “Faz parte da obra, sim. O senhor está reprovado. Pode sair!” No dia em que as notas foram publicadas no quadro de avisos, Trevisan notou que havia sido aprovado, apesar da brincadeira de mau gosto de Élton.
A partir do momento em que Zé Trevisan agradeceu ao professor sua aprovação, ficaram amigos íntimos. Trevisan revelou-me que Lobo da Costa só usava gravata preta, em sinal de luto pela derrota de São Paulo na Revolução Constitucionalista de 1932, onde servira como voluntário. O mestre vinha a Campinas, pela Viação Cometa, a fim de dar aulas em dois dias seguidos. Para não ter que vir e voltar à Capital, duas vezes, ficava hospedado no Hotel Astória, de um dia para o outro, na esquina da Francisco Glicério com Bernardino de Campos. A amizade entre ambos tornou-se tão próxima que certo dia o sisudo professor pediu para ser levado, discretamente, aos bordéis de Campinas. Trevisan não vacilou levando o processualista quarentão para conhecer os prostíbulos da Maria Lúcia, na Rua Germânia, no Castelo, da Eva Geremonte, na Rua Proença, no Bosque, e da famosíssima Paraguaia, no Taquaral. Lobo da Costa, além de viril, era exímio dançarino. Dançava tango com perfeição. Nos dias seguintes, Moacyr e José Antonio tratavam-se como aluno e professor, como se nada houvesse acontecido. Hoje divulgo o segredo, pois ambos devem estar, juntos, no Céu.
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